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“viver é, antes de tudo, adaptar-se”

A percepção de mudanças pode causar desconforto em variados graus de sofrimento, sendo a maioria delas manifestada na forma de ansiedades


TEXTO GIOVANA KREUZ ILUSTRAÇÃO ANDRÉ AZEVEDO

Uma rápida pesquisa nas mídias e a palavra Ansiedade figura, de maneira generalizada, em milhares de citações que designam – do senso comum à ciência – uma gama de explicações que incluem desde uma “agitação ou preocupação excessiva” até um quadro bem definido de transtorno mental. Neste bombardeio de informações, ora distorcidas ora contundentes, como diferenciar nossas “ansiedades de todos os dias” daquelas manifestações de um transtorno que exige tratamento especializado?


Exemplo disso é que a palavra Ansiedade, substantivo feminino, tem por significado no dicionário como grande mal-estar físico e psíquico; aflição, agonia. É, portanto, um estado afetivo ou uma emoção.


Quando falamos de emoção, estamos nos referindo às expressões daquilo que sentimos “dentro de nós”, ou seja, trata-se de reação complexa desencadeada por um estímulo ou pensamento, envolvendo reações orgânicas e sensações subjetivas. As emoções básicas ou primárias são o medo, a tristeza, a raiva e a alegria. Vale ressaltar que a significação que cada sujeito atribui às suas emoções e o modo como elas são vivenciadas é algo muito particular, pois também dependem da percepção.


Um exemplo muito simples é que você pode experimentar ansiedade quando espera por sua festa de aniversário ou uma viagem – e consideramos isso como uma expectativa boa. Mas, também experimenta uma ansiedade que gera descompasso, quando está diante de uma avaliação difícil ou à espera dos resultados de um exame médico para covid-19.


Conforme esclarece Diogo Araújo de Sousa, doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, “a ansiedade e o medo, por si, não são doenças e nem transtornos. Além de serem experiências normais do cotidiano, são condições essenciais e naturais à vida humana, responsáveis por preparar o indivíduo para situações de ameaça e perigo. Em alguns casos, no entanto, um indivíduo pode apresentar ansiedade ou medo elevados de forma desproporcional à situação que os elicia ou em situações nas quais eles não são adaptativos, muitas vezes se mantendo de modo persistente e levando a prejuízos no seu funcionamento, caracterizando os transtornos de ansiedade”.


Por isso, a ansiedade é preocupante quando nos coloca em uma situação de exacerbação do medo, como o medo de doenças, desastres, tragédias; preocupações excessivas ou desproporcionais (consigo mesmo e com os outros); sensação de tensão e ameaça constantes (não consegue relaxar, pois tem a sensação de que algo ruim pode acontecer a qualquer momento); pensamentos ruminativos, intrusivos ou repetitivos, assim, nos paralisando diante da vida. É importante considerar que, muitas vezes, a ansiedade surge mesmo na ausência de um estímulo externo importante.


ENTÃO, SOMOS TODOS ANSIOSOS?


Definitivamente não somos todos ansiosos, embora experimentemos ansiedade com alguma frequência. No entanto, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com o transtorno.

A ansiedade pode figurar como algo natural diante de um estressor, pode também surgir como um sintoma de outros transtornos ou configurar-se como um transtorno mental especificado.


Portanto, os transtornos da ansiedade são o grupo de transtornos mais frequentes na população, afetam a qualidade de vida e necessitam de intervenção especializada. De maneira resumida podem ser classificados como:


- Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): dentre os transtornos ansiosos este é o terceiro tipo mais comum. É caracterizado por uma ansiedade pervasiva crônica e ansiedade antecipatória, ou seja, preocupação excessiva ou expectativa apreensiva persistente. Pode incluir dificuldades de concentração, fadiga, irritabilidade, problemas com o sono, inquietação, tensão muscular, tremor, dores, problemas gastrointestinais.


- Transtorno de Pânico: um ataque de pânico é vivenciado como um episódio de intenso medo e consequentemente muita apreensão pela ameaça de novos episódios, que se caracterizam pela ocorrência de 4 dos 13 sintomas físicos e cognitivos: palpitações cardíacas, sudorese, tremores, sensação de sufocamento, falta de ar ou asfixia, dor ou desconforto no tórax, náusea ou desconforto abdominal, sensação de tontura/desmaio, sensação de irrealidade ou despersonalização, medo de perder o controle ou enlouquecer, medo de morrer, sensação de paralisia ou formigamento, calafrios ou ondas de calor.


- Fobias: as fobias específicas mais comuns incluem o medo de animais (zoofobia), o medo de altura (acrofobia) e o medo de trovões e relâmpagos (astrofobia ou brontofobia), o medo de grandes espaços abertos (agorafobia), por isso a pessoa evita situações/objetos específicos que desencadeiam sua ansiedade ou medo ou os toleram com angústia intensa.


- Transtorno de ansiedade social (TAS) ou fobia social (FS): medo ou ansiedade desproporcionais e muito acentuadas para situações onde o indivíduo possa ser avaliado por outros, assim, temendo ser negativamente inadequado ou ser rejeitado. Sintomas frequentes são sudorese, tremor, rubor de face e comportamento de esquiva (evitar pessoas, situações, lugares).


- Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC): pensamentos indesejáveis de característica recorrente e intrusiva, que consomem tempo e interferem no funcionamento do individuo. Por exemplo, são pensamentos obsessivos (medo intenso de contaminar-se) e comportamentos compulsivos (incluindo os rituais, como lavar as mãos repetida e desproporcionalmente até ocasionar danos a si mesmo).


Tratamentos


Os tratamentos devem incluir as abordagens psicológica e farmacológica, preferencialmente combinadas. A escolha se fará de acordo com o perfil de cada paciente, o tipo de engajamento nos tratamentos, a disponibilidade de serviços de saúde na região, a gravidade de cada quadro, comorbidades, a reposta a tratamentos prévios, experiência do profissional e a avaliação do risco de suicídio.

Uma parcela importante das pessoas com quadros ansiosos não aceita tratamento e correm risco de desenvolver, em busca de algum alívio para seus sintomas, dependência para sedativos e outros medicamentos não prescritos, álcool e outras drogas. Por isso, a psicoeducação é fundamental, pois consiste em fornecer informação qualificada sobre o quadro, sintomas, plano de tratamento; tendo como objetivo reforçar encorajamento, autonomia e a adesão do paciente.

Abordagens como respiração diafragmática, EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) e Midfulness também contribuem sobremaneira como tratamento e controle de quadros ansiosos.


A maior parte das pessoas em tratamento adequado começa a se sentir melhor, fazendo a retomada de suas atividades, rotina e relacionamentos.


E a saúde mental em tempos de pandemia?


Estamos atravessando um período incerto que extrapola nossos referenciais de segurança, ou seja, o enfrentamento da pandemia é o enfrentamento de uma grave crise, pois exige que lancemos mão de estratégias e recursos de sustentação e sobrevivência até que a situação esteja normalizada ou meramente estabilizada.


Quando falamos de recursos estamos nos referindo à recursos internos e externos, incluindo nossas reservas financeiras, emocionais e operacionais.


Alguns países são preparados para crises (tragédias, terremotos, pandemias), há treino técnico de profissionais e da população, mas nós no Brasil enfrentamos nossas crises de maneira, muitas vezes, improvisada, acreditando que “conosco nunca acontecerá”.


Por isso, estressores que poderiam ser controláveis – como informação qualificada, medidas de segurança efetivas, estratégias baseadas em evidências – são negligenciados, gerando controvérsias, vulnerabilidade emocional e muita ansiedade.


Diante do quadro pandêmico necessitamos usar das nossas estratégias aprendidas e abrir espaço para a construção de novas estratégias, confiando em referências científicas e nos assegurando de traçar um plano emocional que nos faça sentido, assim, incluindo solidariedade, autocompaixão, esperança, laços de afeto e preservação da vida.


Segundo os autores Cabrera & Sponholz Jr, viver é, antes de tudo, adaptar-se, embora a percepção das mudanças cause desconforto em variados graus de sofrimento. A ansiedade, portanto, faz parte da vida, é um sentimento intrínseco ao desenvolvimento humano e é experimentada de modo único e pessoal. Se a ansiedade não é desproporcionalmente intensa, ela ajuda a melhorar o desempenho global, promover soluções criativas e estimular a cooperação.


No entanto, não é agradável sentir-se ansioso em demasia, pois quando se intensifica o estado de humor desconfortável, apreensão negativa em relação ao futuro, inquietação interna desagradável, então, esse estado persistente torna-se um complicador da qualidade de vida. Precisamos prestar atenção na intensidade e na duração deste estado, pois o indivíduo poderá sentir-se paralisado ou num agir caótico diante da vida.




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