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Tudo voltou ao normal, menos o ser humano. Como estamos agora?


POR ALISON MACIEL CEZAR

Já há muito tem-se falado de um desejo de voltarmos à normalidade. Mas podemos nos perguntar: que normal é este? Bem, tem-se visto que a nossa relação com o mundo, com os outros seres humanos e até com nós mesmos tem sido insuficiente para manter a paz e equilíbrio necessários à sobrevivência da humanidade.


As velhas formas de pensar e se relacionar com a vida têm mantido a organização da humanidade até o momento presente, garantindo certo tipo de sobrevivência mais ou menos funcional. No entanto, a normalidade que se supunha alcançar pós pandemia, tem se tornado cada dia mais utópica ao vermos o ser humano entrando, cada vez mais, em guerras consigo e com os demais.


O aprisionamento à formas de pensar e viver a vida de modo cristalizado, tem contribuído para o adoecimento psíquico dos indivíduos e para a explosão de inúmeros atos de guerra em todo o mundo. Pensar que a vida não deve mudar, pensar que pensamentos não podem evoluir em vista de algo maior que o próprio ego, pensar que o outro representa para mim um perigo à existência, acabou por se tornar o novo normal.


No entanto, tem-se encontrado na clínica inúmeras pessoas em sofrimento diante das mudanças e catástrofes naturais e antinaturais que vem acontecendo nos últimos tempos. Crianças que aceleram seu desenvolvimento, adolescentes cada vez mais ansiosos com escolhas e pela carga de terem que “salvar o mundo” de um caminho de colapso. Adultos disfuncionais sobrecarregados pelas exigências de um desempenho adoecedor, idosos que choram ao pensar no futuro de seus netos.


Não aceitar a mudança da vida e da existência é como negar o próprio fluxo de evolução e desenvolvimento naturais do ser humano. Assim como passamos da infância para a adolescência, desta para a vida adulta a assim para a vida madura, crescer e desenvolver envolve dores e transformações que fizeram chegarmos onde estamos hoje. Negar-se a entrar em processo de evolução pessoal visando uma melhor forma de se relacionar com o outro e com o mundo, além de ser adoecedor, tem-se revelado ineficaz para a manutenção da nossa humanidade.


A mudança por sua vez envolve dor, assim como uma árvore tem sua casca rachada e retorcida para que possa atingir seu crescimento, precisamos aceitar a responsabilidade sobre as dores da existência, de estarmos implicados em uma viagem sem volta, onde o risco à vida de um pode se tornar o risco a vida de todos. Abandonar lugares já conhecidos, porém ineficientes, representa aceitar o desprazer de ser questionado diante de certezas absolutas.


Semelhante a um filme lançado há não muito tempo em que a humanidade continua normalmente suas vidas enquanto um asteróide vem em direção à Terra, estamos paralisados frente ao medo e a incredulidade de um caminho de salvação. Visualizar caminhos possíveis é diferente de implicar-se ativamente nas mudanças que podem levar o indivíduo para fora de situações de adoecimento, bem como poderia levar o ser humano a uma atitude implicada de transformação da relação do eu com o outro. Se faz indispensável a criação de pontes de comunicação entre as diferenças que possam nos levar ao crescimento e não à destruição. Não se pode pensar como indissociável o ambiente em que está inserido e sua saúde psíquica.


Além da negação, outro mecanismo que entra em jogo frente ao medo é a nossa capacidade de esquecer para não sentir. Esquecer o que se passou até aqui seria como apagar todo conhecimento acumulado até aqui e recusar-se a utilização destes para novas propostas de transformação. Bem como negar-se a sair de velhos pensamentos e padrões de comportamento seria negar-se a responsabilidade pessoal diante do próprio crescimento.


Em um mundo anestesiado por fantasias e prazeres ao alcance de nossas mãos, implicar-se em buscar respostas para perguntas profundas sobre a própria relação do ser humano com sua existência, tem-se mostrado cada vez mais utópico, porém cada dia mais urgente.


A busca por valores de retorno, retorno à comunhão, ao encontro, à familiaridade e ao cuidado, valores estes encontrados em ambientes seguros e íntimos, tem-se mostrado um caminho eficaz de fortalecimento psíquico e pode ser uma das respostas válidas diante do caos social. Desde que nos permitamos ser atravessados pela dor da transformação e do crescimento.

 

Alison Maciel Cezar é psicólogo formado pela UniCv, atua na clínica de orientação psicanalítica junto ao Instituto Configuração de Psicologia e junto à Unimed Maringá. Pesquisador na área da cultura e sociedade.

 

 




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