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Realidade Autismo

TEXTO VINÍCIUS LIMA


Todo mundo tem uma ou mais pessoas que lhe foram especiais na vida. Das pessoas pelas quais sou grato por ter conhecido e convivido, uma delas é meu primo, que aqui chamarei de José para preservar sua identidade.


José veio ao mundo 14 anos antes de mim. A diferença entre nossas idades era muito mais discrepante, naturalmente, em minha infância. Cresci sabendo de um tal primo que aos 17 anos falava 8 idiomas e que de repente mudou-se para a Suíça onde foi admitido em um programa de mestrado. José foi claramente um menino prodígio pelo qual eu nutria certa inveja.


Com o tempo eu também cresci e nossa aproximação foi natural. Naquele primo-gênio descobri um irmão que nunca tive, com quem passava horas conversando sobre tudo e sobre nada. Eu, que sou tão comunicativo, com ele sempre fui muito mais ouvinte. É como se para mim, meus assuntos não fossem tão interessantes, e para ele, é como se finalmente tivesse encontrado um ouvinte à altura de seus pensamentos sempre tão elevados…


De todas as características que tornavam José uma pessoa especial, uma entra nos critérios e parâmetros da MBE (Medicina Baseada em Evidência): José era autista. Seu diagnóstico, porém, não foi nada precoce, pois ele tinha 26 anos quando recebeu o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista). Apenas duas décadas depois, sua mente tão brilhante, e por isso tão efervescente, o levou a tirar a própria vida, deixando em pedaços os corações de toda a família…


Muitos fatos devem ter colaborado para o diagnóstico tardio de José, como o fato de seu TEA ser considerado Nivel 1 (sendo hoje 3 os níveis de gravidade descritos pelo DSM - Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, considerando 1 o mais leve e 3 o mais grave); e também o fato de ele ter nascido na década de 1970, muito antes da publicação do DSM-5 em 2013 que estabelece critérios atualizados para o diagnóstico do TEA. Na época em que José nasceu, o autismo era descrito pela literatura como Esquizofrenia tipo infantil, e a medicina estava longe de identificar o autismo mais leve, de nível 1, como sendo parte de um transtorno de neurodesenvolvimento.

 

SAINDO DA OBSCURIDADE

Todos os avanços e pesquisas relacionadas aos transtornos globais de desenvolvimento e transtornos de neurodesenvolvimento têm levado a um diagnóstico cada vez mais preciso e cada vez mais precoce. Um documento emitido em 2020 pelo CDC, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, afirma que 1 a cada 54 pessoas possui TEA. Na pesquisa mais recente, estes dados foram atualizados pós-pandemia e o número foi para 1 a cada 36.


O diagnóstico precoce é importantíssimo e a melhor forma de ajudar a pessoa com autismo e todos que o cercam. Sabe-se que não há exames laboratoriais que identifiquem o transtorno e que o diagnóstico é clínico, ou seja, o TEA é definido a partir de uma análise do comportamento do indivíduo.

 

MAS, AFINAL, O QUE É O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA?

Muita gente relaciona o autismo com indivíduos tímidos e com grande capacidade intelectual, uma imagem disseminada pela mídia através de filmes como Rain Man e da série The Good Doctor, em que o autista é retratado como um gênio que tem dificuldades de socializar. Esta visão, porém, não é exatamente correta, pois a “grande capacidade intelectual” não é uma característica do TEA, e sim uma condição rara conhecida como Síndrome de Savant, e em média apenas 10% dos autistas possuem algum grau de savantismo, como foi, indubitavelmente, o caso de José.


De acordo com o DSM-5, o que primordialmente caracteriza o autismo são 3 principais fatores: o desenvolvimento comprometido nas interações sociais, comprometimento da comunicação e interesses restritos.


Existe uma dificuldade clara de se relacionar com os pares, inclusive com aqueles que são do seu nível de desenvolvimento. Os mais jovens podem demonstrar pouco ou nenhum interesse por amizades, já os mais velhos podem até demonstrar tal interesse, porém com alguma dificuldade de compreender certas convenções da interação humana.


Já com relação ao comprometimento da comunicação, podem haver déficits tanto na linguagem verbal quanto não-verbal, com atraso ou ausência total de desenvolvimento na linguagem falada. Quando a fala se apresenta desenvolvida, pode haver uma perturbação no entendimento do uso social das palavras, como gírias, piadas e aspectos figurativos que são de difícil entendimento para os autistas.


No quesito restrição de interesses, os autistas podem apresentar, na maioria das vezes, áreas de interesse e assuntos limitados, e uma adesão inflexível a determinadas rotinas. Constantemente insistem na “mesmice” e apresentam grande sofrimento a qualquer mudança de rotina, mesmo triviais, como uma mudança da cama de lugar, ou troca de uma cortina. Eles podem apresentar fascinação por movimentos como abrir e fechar de portas, rodinhas de brinquedos e até ventiladores. É possível ainda apegarem-se a objetos inanimados como fita de cabelo, etiqueta de seda, cadarço e por aí vai…


Estas 3 categorias, divididas didaticamente para auxiliar no diagnóstico são, na verdade, muito amplas e muito variáveis. É por isso que TEA possui “Espectro” em sua nomenclatura, que significa que o transtorno possui um amplo espectro, ou uma gama muito diversa de formas de manifestação desta condição em diferentes pessoas. É por isso que cada indivíduo TEA é único, assim como o tratamento de cada um deve ser extremamente personalizado.

 

EM PRIMEIRO LUGAR: RESPEITO

Alguns sintomas comportamentais podem acontecer em indivíduos autistas, desde os movimentos estereotipados (como o estalar constante dos dedos, balançar das mãos, bater palmas, inclinar o tronco de forma rítmica) até sintomas comportamentais mais graves como atitudes autodestrutivas, agressividade e, particularmente com crianças mais jovens, acessos de raiva e irritação. Por serem extremamente sensoriais, respostas incomuns podem surgir devido a hipersensibilidade a sons, toque, luzes e odores.


Primordialmente é preciso não julgar quando qualquer dos sintomas acima descritos se apresentar, principalmente os movimentos estereotipados, que são como “reguladores” para o autista. É muito comum vermos inclusive pais e mães que tendem a inibir o filho quando este apresenta movimentos repetitivos, seja das mãos, da cabeça ou do corpo, quando na verdade deve-se respeitar este momento como sendo o de auto-conservação e auto-regulação interna da pessoa autista.


Muitos questionam o que fazer para apoiar uma pessoa autista. Vamos imaginar primeiramente um cenário: uma mãe no shopping com dois filhos, um dos quais TEA que está passando por um momento de crise, seja ela de qualquer natureza. Essa mãe tem ali a dupla preocupação de dar atenção ao filho em crise e não perder o foco do seu outro filho pequeno. Em um momento como este, talvez tudo o que aquela mãe precise é de um ser humano com empatia para dizer “mãe, fica tranquila que eu olho aqui seu outro filho”. Pronto! Com alguém assessorando seu filho neurotípico, a mãe já pode canalizar sua atenção integral ao filho TEA. Talvez, naquele momento, seja tudo o que ela precise.


Não existe um manual social de conduta ou uma etiqueta social que descreva como devemos tratar pessoas autistas. A palavra de ordem é respeito e empatia, o que deveria ser comum e nato a todo ser humano…


Este artigo autoral não tem a intenção de trazer à tona as políticas públicas (ou a falta delas) relacionadas ao autismo, nem mesmo retratar os brilhantes esforços relacionados à inclusão social feita àqueles que possuem TEA. Em Maringá temos duas instituições não governamentais e sem fins lucrativos que realizam um brilhante trabalho e que merecem ser consultadas por quem quiser saber mais sobre o autismo. São elas a AMA - Associação Maringaense dos Autistas e o IMA - Instituto Maringaense de Autismo (endereços na sequência).


Este artigo tem por intenção levar para mais perto de você uma realidade presente na vida de tantas pessoas e famílias. Para muitos, sinônimo de bem-estar pode ser passar as férias na ilha de Capri, para outros, fazer uma refeição à mesa sem maiores transtornos, ou simplesmente ver o filho matriculado no ensino regular, é sinônimo de bem-estar em níveis de excelência.

 

Instituto Maringaense de Autismo - IMA

Av. Paranavaí, 874 - Zona 06 - Maringá/PR

(44) 3354-8623

 

Associação Maringaense dos Autistas - AMA

R. Pioneiro Marceliano Venâncio, 30 - Vila Esperanca - Maringá - PR

(44) 3041-2424





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