top of page

Pity Marchese

Publicamente reconhecida como a alma e o nome por detrás do Buffet Haddock, que completa 30 anos em 2022, Pity Marchese tem uma história que se funde com a própria história de seu empreendimento, uma jornada de vitórias e também agruras, que podemos traduzir em uma única palavra: sucesso


TEXTO VINÍCIUS LIMA FOTOS JOÃO PAULO SANTOS / ACERVO PESSOAL


“...Deus de repente resolve tirar a estrada do lugar”. Este trecho, do livro O jardineiro que tinha fé, de Clarissa Pinkola Estés (mesma autora de Mulheres que correm com os lobos) é um dos trechos preferidos deste que também é um dos livros preferidos de Pity Marchese. Esta frase, contudo, diz um pouco sobre cada um de nós, sobre momentos de névoa e incerteza que é nato à natureza humana. São períodos que, mais cedo ou mais tarde, teremos de atravessar. Alguns saem fortalecidos, abraçam a tragédia e vêem a vida e a própria realidade por um novo horizonte; outras pessoas ficam amargas e não usam a dor para refinar o caráter, se entregam às circunstâncias e perecem.


Em uma edição que celebra a mulher, ou melhor, o ser feminino, um ser naturalmente resiliente, sensível à mudança e perseverante ante os desafios da vida, convidamos Pity Marchese para abrir seu livro da vida e personificar a mulher que toda mulher pode ser. Filha de Eduardo Figueiredo Lima e Emília Ignêz Cunali Figueiredo Lima, Pity viveu uma vida de aventuras e desventuras que caberia em uma coletânea.


Tudo começou na cidade de Mococa, interior de São Paulo, onde nasceu e viveu feliz no casarão da família conservado até hoje, um lugar bucólico e tranquilo que fica na divisa de Minas Gerais com São Paulo (85 km de Poços de Caldas, MG e 100 km de Ribeirão Preto, SP). Sua ligação com a região de Maringá começou na tenra infância, quando tinha 4 anos e seu pai adquiriu uma fazenda em Marialva para expandir o plantio das culturas que cultivava à época. “Toda minha infância e adolescência eu passava as férias de inverno na fazenda de Marialva, um lugar muito simples até hoje, mas onde amo estar, tenho uma relação muito forte com aquela terra e vou sempre que posso. Ainda sonho em morar lá”.


Sua mudança definitiva para Maringá aconteceu aos 18 anos, quando se casou com Paulo, um de seus grandes amores. “Eu me casei com 18 anos porque meu pai segurou um pouco, senão eu tinha casado com 17 mesmo [risos]”. A mudança para Maringá aconteceu em virtude de Paulo ter conseguido um emprego na Cocamar. Sendo ele agrônomo, trabalhou por muitos anos na cooperativa.


Paulo sempre foi um homem à frente do seu tempo, e incentivou o progresso de sua esposa de diversas formas. Foi ele quem a apoiou a cursar Ciências Biológicas na UEM (sim, Pity é bióloga, embora nunca exerceu a profissão, e você entenderá adiante) e também foi ele quem ajudou Pity a conseguir seu primeiro emprego: professora de inglês na Fisk. Paulo era aluno nessa escola, e Pity já tinha se formado em inglês desde Mococa, assim Paulo a apresentou à Miss Laura, proprietária da Fisk, e ela convenceu Pity a assumir sua primeira turma. “Eu era uma menina de 18 anos ensinando dois médicos, senhores com mais de 40 anos; eu me sentia tão inexperiente, mas Miss Laura sempre foi uma referência, muito positiva, ela foi uma mulher que me empoderou muito, sempre me colocando pra frente, me cobrando muito estudo e aperfeiçoamento”.


Apesar da insegurança, natural para uma mulher da sua idade, recém casada e em uma cidade completamente nova, Pity aprendeu a amar seu ofício de professora. Foi nesse período que viveu a dor da perda do primeiro filho(a) de uma gestação já bem adiantada. Pouco tempo depois uma nova gestação, dessa vez de gêmeos, que deu luz a Maurício e Homero Marchese no dia 15 de julho de 1983, 15 dias antes de sua colação de grau em Biologia.


Com dois bebês pequenos, longe dos pais e também dos sogros, Pity não teve aquela rede de apoio que ela muito amorosamente provê para seus 5 netos (João Paulo, Pedro, Henrique, Rafael e Elisa). Nem mesmo seus irmãos moravam por aqui, somente muitos anos depois uma irmã mudou-se para Maringá. Apenas 4 meses após dar a luz aos gêmeos, Pity ficou grávida do seu terceiro filho, Otavio. “Tive 3 filhos em um intervalo de 13 meses! [risos]. Administrar três meninos nessas circunstâncias não foi fácil”, fala Pity com um largo sorriso no rosto.


Por causa dessa maternidade nada convencional, Pity teve que dar uma pausa em seu ofício de professora e nunca chegou a pôr em prática seu ofício de bióloga. Mas conforme os meninos foram crescendo e já foi possível matriculá-los em uma escola de meio período, Pity voltou a assumir algumas turmas na Fisk, ainda sob a batuta de sua amiga Miss Laura.


Embora Paulo sempre foi seu grande incentivador, foi do pai que Pity herdou a vocação natural para o trabalho. “Meu pai era uma pessoa que acordava às 5h da manhã todos os dias, que viajava de uma fazenda para outra o tempo todo, e essa energia acabava contaminando toda a família, meus irmãos foram cedo trabalhar com meu pai, e minha mãe não trabalhava fora de casa porque afinal ela tinha 6 filhos”. O senhor Eduardo trabalhou, literalmente, até o último dia de vida. Ele chegou às 13h em casa para o almoço, tomou banho, almoçou e morreu de um infarto fulminante, deixando no bolso da camisa um papel com a agenda dos compromissos para aquela tarde do dia 1º de agosto de 1997.


Cinco anos antes deste trágico evento, a Cocamar, empresa onde trabalhava seu esposo, entrou em um processo de terceirização de serviços não essenciais. Paulo viu aí uma oportunidade de desligar-se do seu cargo e assumir o restaurante industrial para atender aos trabalhadores da cooperativa. O restaurante funcionava 24 horas por dia, 365 dias por ano, com três turnos de funcionários, e chegou a servir 2500 refeições por dia. Foi assim que a gastronomia entrou na vida de Pity para não mais sair.


Paulo era, além de tudo, um homem muito festeiro. Partiu dele a ideia de promover almoços e jantares para além das refeições servidas para a Cocamar. Quando perceberam, eles estavam fazendo festas paralelas ao restaurante. Com Paulo à frente das questões operacionais e Pity fazendo a frente social de relacionamento com o público, o Buffet Haddock cresceu em estrutura e em popularidade, até que, no quinto ano de empresa, morre Paulo aos 42 anos de vida, apenas 2 meses antes da morte do senhor Eduardo, pai de Pity.


Pity e sua mãe ficaram viúvas praticamente ao mesmo tempo. Desta nova realidade ela tirou forças não apenas por meio de seus filhos, como também dos tantos funcionários e famílias que viviam e vivem ainda hoje por meio do Buffet Haddock. “Eu estava devastada, meu pai era um herói e Paulo o amor da minha vida, mas desistir não era uma opção, com tantas famílias dependendo da nossa empresa... E como disse Guimarães Rosa, ‘o que a vida quer da gente é CORAGEM’”.


De repente à frente de uma empresa, Pity começou a buscar aquela estrada que fôra tirada de seu caminho. Ela deu uma reviravolta na sua vida, fez curso de gestão de negócios, buscou observar e aprender muito com os funcionários mais experientes e contou com a ajuda de um motorista para o leva e traz dos filhos em suas rotinas escolares. Neste ano de 2022, o Haddock completou 30 anos, 25 dos quais sob a gestão de Pity.


Outro antigo provérbio diz que existe uma lei nos céus que se traduz em um fator de compensação: o mesmo Deus que tira é o Deus que provê. Pity atribui à Deus todas as pessoas que foram colocadas em seu caminho, funcionários com mais de 20 anos de casa; sua tia Carmen, uma cozinheira de mão cheia que comandou por muitos anos sua cozinha, e desenvolveu receitas testadas que fazem parte ainda hoje do portfólio do buffet; e claro, o seu novo casamento, com o homem que leva o mesmo nome de seu pai, Eduardo.


Eduardo fala que esteve nos dois casamento de Pity, o último na condição de noivo. É engraçado, mas é verdadeiro. Ele tinha 12 anos quando esteve com seu pai (que foi pediatra da Pity) e sua mãe no casamento de Pity com Paulo, em Mococa. Com o passar dos anos ele sempre teve olhos, intrigados, para aquela jovem mãe de muitos filhos. A vida deu rumos distintos para eles, e o reencontro aconteceu anos depois, novamente em Mococa. Pity uma senhora viúva e Eduardo, pasmem, um chef de cozinha.


Suas aventuras e desventuras ao lado de Eduardo já se equiparam ao tempo em que Pity esteve casada com Paulo. Foi com Eduardo que Pity assistiu a formatura de cada um de seus filhos, cada um de seus casamentos, a vinda dos 5 netos ao mundo… Foi com Eduardo que Pity idealizou e realizou o sonho do restaurante Box 100 no Mercadão de Maringá e do Restaurante EDU, na Av. Cerro Azul. Os restaurantes já não fazem mais parte de suas atividades, mas foi uma experiência, segundo ela, incrível, de aprendizado e de agregar novos grandes amigos para a vida. Foi com Eduardo que Pity encerrou um ciclo de muito trabalho e dedicação do restaurante industrial que servia a Cocamar. Foi com Eduardo que Pity se despediu da talentosa tia Carmen e de seus inesquecíveis irmãos Dado e Rita (com sua irmã Rita e a mãe ela também teve por alguns anos o Buffet Infantil Haddockinho). e é com Eduardo que ela segue, até hoje, se dedicando às festas do Buffet Haddock.


Eduardo era chef de cozinha em São Paulo e no início do namoro, em 2004, se mudou para Maringá e assumiu o Restaurante 17. Ambos em suas rotinas, Eduardo e Pity chegavam em casa de madrugada. Foram os filhos que os incentivaram a trabalhar juntos. E desde 2005 Eduardo é chef do Haddock. “A vida em eventos é sempre uma renúncia, porque não existe ensaio para festa, o momento de atuar é ao vivo e nada pode dar errado, é uma sensação que eu amo”.


Como Eduardo realmente nunca foi dado à questões administrativas, o match foi perfeito. “Como um bom aquariano, o Eduardo é um artista, se você me perguntar o que eu cozinho eu digo: ‘quase nada’. Por isso eu penso que Deus foi muito generoso ao colocar na minha vida pessoas que me permitem fazer o que eu gosto”. Naquela época, quando o trabalho de assessor de eventos era praticamente inexistente, Pity não só tratava do cardápio da festa, mas também de detalhes inerentes a um bom casamento, como a entrada dos padrinhos, da noiva, o momento de cortar o bolo, enfim, era ela quem dava o compasso da festa. “Confesso que depois da entrada dos assessores no mercado meu trabalho ficou mais leve, mas eu ainda me envolvo emocionalmente com cada um dos noivos que passam por aqui”.


Tem noiva, inclusive, que já casou duas vezes no Haddock, com noivos distintos, é claro. E tem também um casal que mudou de parceiros no meio do processo de preparação do grande dia, não precisou nem fazer um destrato ou mudar o dia do casamento, apenas substituir o nome da antiga noiva pela noiva atual. Apesar destes percalços e de outros que compõem os bastidores de um Buffet, todos eventos foram e continuam sendo um sucesso. “Eu vi uma pesquisa muito recente que deu bases científicas para uma convicção que eu sempre tive comigo: a de que uma festa não é um momento, é uma lembrança para a vida toda. Essa pesquisa mostra que pessoas em isolamento pela Covid tendem a se recuperar melhor quando elas cultivam lembranças boas de eventos felizes no passado”.


Em uma matéria que pretende tratar da vida e do legado de Pity Marchese, é impossível não fazer menção ao período de intensos desafios que vieram por meio da pandemia pela Covid 19. Como todos sabemos, o setor de eventos foi um dos mais afetados economicamente e que por mais tempo permaneceu inativo, com milhares de pessoas sem poder trabalhar. Nesse momento de grande alarme e muitas incertezas, Pity tomou a decisão de não dispensar nenhum de seus funcionários.


Com seu dom natural de aprender por meio dos desafios, Pity diz que a pandemia a ensinou lições de desacelerar, e de viver, mas confessa que nessa escola, seus verdadeiros professores foram os netos. “No dia seguinte em que meu primeiro neto nasceu, há 10 anos, eu abri mão do perfume quando fui visitá-lo na maternidade, e depois passei a usar perfumes mais suaves. Com o tempo abri mão também do uso diário do batom, para beijar muito os netinhos; dos brincos grandes, para eles não puxarem; e por fim do salto, para conseguir dar conta de correr atrás deles”. E ela segue eliminando os excessos em busca do que é essencial.


Vencedora do prêmio ACIM Mulher em 2006, Pity Marchese é esta mulher que, a despeito do reconhecimento público por seu sucesso, conserva em casa, em família, os momentos mais significativos de sua vida, de altos e de baixos, mas sempre com esperança.


Com Clarissa Estés iniciei este texto, e com ela termino: “Recuse-se a cair. Se não puder se recusar a cair, recuse-se a ficar no chão. Se não puder se recusar a ficar no chão, eleve o coração aos céus e, como um mendigo faminto, peça que o encham, e ele será cheio. Podem empurrá-lo para baixo. Podem impedi-lo de se levantar. Mas ninguém pode impedi-lo de elevar seu coração aos céus — só você. É no meio da aflição que tantas coisas ficam claras. Quem diz que nada de bom resultou disso, ainda não está escutando”.











Comments


bottom of page