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Ode a Odete

Mãe, esposa, filha, avó, professora... Todos estes títulos definem Odete Moro, uma mulher com tantos atributos, mas que se tornou mesmo conhecida no mundo pelo dom da maternidade


Texto Vinícius Lima fotos acervo pessoal

Em uma tarde comum de segunda-feira, sob a luz tênue da recém-lançada padaria Croque en Bouche, fomos recebidos por Odete Moro – 74 anos, uma personalidade serena e um tom convicto na voz. Não aquela convicção desafiadora, pelo contrário: a convicção de quem sabe o que fala, e ao falar transmite uma inexplicável sensação de paz.


Já no primeiro minuto de nossa conversa ela citou “Vidas secas” de Graciliano Ramos com a frase “meu filho mais novo e meu filho mais velho” referindo-se aos próprios filhos, Sérgio Moro (o mais novo) e César Moro (o mais velho). Esta frase foi, por si só, a mais eloquente evidência de que Odete Moro teve uma vida inteira dedicada ao magistério e à maternidade.


Após uma deliciosa conversa onde ela narrou os caminhos percorridos por sua família até chegar em Maringá, nos despedimos com a promessa de que voltaríamos na semana seguinte para uma entrevista propriamente dita. Porém, a chegada do primeiro caso de Covid-19 na cidade colocou todo o município em quarentena, e Odete, seguindo recomendações médicas e da zelosa família, permaneceu em completo isolamento social em seu apartamento, de onde cedeu ainda assim a entrevista, via telefone.


Essa história se inicia na Europa, palco da diáspora que levou tantos imigrantes a se estabelecerem no Brasil e fazer deste país sua nova pátria. Na região de Vêneto, Itália, bem próximo da medieval Verona, conhecida como cenário da peça "Romeu e Julieta", de Shakespeare, viveram os antepassados de Dalton Áureo Moro, que migraram no ano de 1877. Há pouco mais de 600 quilômetros dali, separada por uma estreita faixa de terra que compreende a Áustria, temos a Alemanha, a pátria dos antepassados de Odete Moro, cujo nome de solteira foi Odete Starke. Seu avô, junto de todos seus irmãos, vieram ao Brasil mais tarde, no período da Primeira Guerra Mundial.


Odete conta que em ambas famílias não havia uma tradição cultural pela educação formal. Estes homens e mulheres expatriados buscaram em diversas atividades, sobretudo na agricultura, sua forma prática de viver a vida. Foi somente na geração seguinte, a dos pais de Odete e de Dalton, que veio o incentivo para que seus filhos (a terceira geração desde o êxodo europeu) fizessem um curso superior. Foi assim que Odete se formou em Letras e Dalton em Geografia.


Ambos eram ainda muito jovens quando começaram a namorar na cidade de Ponta Grossa, um namoro de 4 anos que levou Odete a casar-se aos 22 anos, no ano de 1968, o mesmo ano em que a nova família se mudou para Maringá. Essa mudança não foi casual, mas muito bem planejada por Dalton, que se encantou com a cidade após vir com seus amigos para assistir Rússia x Corinthians no Estádio Regional Willie Davids. A mudança para Maringá foi possível após Dalton, que já lecionava em Ponta Grossa, passar em um concurso público que o trouxe para Maringá como professor, carreira que o seguiu por toda a vida, passando pelas instituições UEM (Universidade Estadual de Maringá) e Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal. “Meu marido sempre colocou a geografia em um plano muito superior em sua vida, ele amava essa disciplina e amava lecionar. Nós viemos para cá apoiando um ao outro no dedicado trabalho do magistério”, conta uma saudosa Odete, que se despediu do esposo em 2005, quando este faleceu duas semanas após o nascimento do último neto.


Uma breve infância


Mudar de cidade aos 22 anos ao iniciar uma nova vida conjugal já seria um desafio por si só. No caso de Odete, mudar-se para a pioneira Maringá constituiu um desafio ainda maior, pois Ponta Grossa já era um importante centro econômico regional, enquanto Maringá mal tinha vias asfaltadas. De fato, o primeiro endereço de Odete foi na Avenida Anchieta, onde hoje é Avenida São Paulo, na época sem asfalto e com muitos problemas no fornecimento de água. “Todo o contraste que vivi de Ponta Grossa para Maringá fazem minhas lembranças de infância serem sempre lembranças de transformação... transformação para uma nova vida que eu estava iniciando”.


Em face de todos estes desafios nasceram os dois filhos de Odete. César foi para a escolinha infantil com 15 meses de vida, e Sérgio com apenas 8. “Nós não tínhamos família aqui, por isso meus filhos tiveram que ir para a escola muito cedo, mas isso se tornou uma paixão porque eles nunca tiveram problemas de aprendizagem e a escola era, quase sempre, a única oportunidade que eles tinham no dia de ter um convívio social com pessoas de fora de casa”.


Na época as pré-escolas eram muito raras na cidade, e as que existiam eram particulares, com preços incompatíveis com os salários de professor de Odete e Dalton, por isso eles matricularam seus pequenos no Núcleo Social de Maringá, uma escola inicialmente dedicada a filhos de empregados domésticos e que aderiu posteriormente também os filhos de professores da rede pública.


Já na infância eles foram transferidos para o Colégio Santa Cruz onde estudaram desde o ensino fundamental até o segundo ano do Ensino Médio. O terceiro ano do Ensino Médio foi feito por ambos no Colégio Estadual Gastão Vidigal, na época uma referência em aprovações no vestibular, e também onde trabalhavam seus pais.


Na vida colegial Sérgio e César seguiram caminhos distintos. O primeiro já sabemos, cursou Direito, o segundo optou pelas Ciências da Computação, ambos exercendo a liberdade que desde tão cedo era cultivada em seu lar. “Meus filhos não tiveram influência nenhuma na escolha de suas carreiras, porque se eu os tivesse persuadido a fazer qualquer coisa, com certeza teria sido na área da educação”, conta Odete aos risos, embora ela não esteja de todo enganada, pois ambos os filhos em suas respectivas áreas de formação já atuaram também como professores em cursos de graduação e especialização.


Sobre a liberdade que regeu a educação de seus filhos, Odete acrescenta: “quando meus filhos eram adolescentes e não podiam dirigir para voltar para casa após as festas, eles tinham a liberdade de ligar para o meu marido buscá-los a qualquer hora. Quando eles já podiam dirigir, nunca tiveram a imposição de determinada hora para voltar para casa, porque acima de tudo nós conhecíamos o caráter de nossos filhos”. “E como fica o coração de mãe?”, perguntamos. “O coração de uma mãe nunca está leve, nem mesmo hoje que já são homens formados e já me deram 4 netos. Em virtude do trabalho o César vive uma semana em Maringá e uma semana em São Paulo, sujeito a todos os perigos da estrada. O Sérgio vive em Curitiba, em um ofício que sabemos que tem muita pressão, mas como mãe eu só posso confiar em Deus, me apegar ao que é bom e acreditar que tudo vai dar certo”.


Na companhia de livros e de arte


Aposentada há mais de 25 anos, Odete segue uma vida surpreendentemente ativa. Seu apartamento, onde mora sozinha, é praticamente um dormitório, pois seu único dia sem atividades fora de casa é na sexta-feira. Entre curso de artesanato; reuniões com a equipe de Liturgia da Catedral Nossa Senhora da Glória, onde atua como leitora; voluntária semanalmente no café da tarde servido aos familiares de pacientes do Centro de Especialidades ligada à Amusep; visita doentes para administrar os emblemas do sacramento junto de sua Ministra da Eucaristia; entre tantas outras atividades. E entremeando tudo isso, a leitura segue sua velha amiga.


Dentre seus títulos preferidos, muitos dos clássicos se fazem presente, como Graciliano Ramos, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Jorge Amado, Vinicius de Moraes e Guimarães Rosa. Ela conta, inclusive, que todas as vezes que descia para a praia, em sua passagem por Ponta Grossa, sempre parava na mesma livraria para encher de livros uma maleta de mão e, assim, passar bons momentos de leitura à beira mar.


Em sua carreira como professora Odete passou pelas salas do Colégio Comercial (onde hoje fica o Instituto de Educação Estadual de Maringá), pelo Colégio Estadual Vital Brasil, pelo Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal e como professora colaboradora da UEM. Uma larga experiência que hoje a permite responder à pergunta “o que mudou na educação ao longo dos anos”. Para ela, a modernidade trouxe a evolução em alguns aspectos, e a regressão em tantos outros: “na primeira viagem ao exterior que fiz com meu marido, para Versalhes, na França, ficamos encantados quando testemunhamos um professor dando aula para um grupo de alunos dentro de um museu, com todas as antiguidades e fatos históricos ao alcance dos olhos de cada uma daquelas crianças. No Brasil para nós não restava senão a imaginação e alguns escassos recursos visuais como apoio ara o ensino. Hoje em dia é muito diferente, a tecnologia permite nos levar ao museu e milhares de outros lugares, sem precisar sair de casa. Isso, para mim, é um grande avanço na educação dos últimos anos, embora não seja acessível a todos os estudantes”.


Nesse longo percurso de vida, Odete considera que a felicidade é um saldo positivo em sua vida: “felicidade é estar em paz consigo mesmo, é agradecer inclusive as adversidades porque na maior parte das vezes após a adversidade vem uma sensação de plenitude muito grande… Aceitar a vida, aceitar as coisas, aceitar o momento de hoje, aceitar os momentos passados, não reclamar da vida, e ter consciência de que se você não fez tudo pelo menos procurou fazer o melhor. Essa satisfação pessoal é, na realidade, felicidade”, conclui sabiamente Odete.








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