Embarcamos em uma jornada de conhecimento para explorar o universo criativo de Marcelo Di Benedetto, o artista plástico arquiteto maringaense que revela sua genialidade, e loucura, por meio de manifestações artísticas das mais diversas
TEXTO VINÍCIUS LIMA FOTOS JOÃO PAULO SANTOS
Às 17h do dia marcado, lá estava ele. Marcelo Di Benedetto abrindo os portões de latão de sua casa em plena Av. Santos Dumont, Centro de Maringá. Quem passa por ali, jamais imagina que por detrás dos portões pretos, espremido entre um prédio e outro, se esconde um magnífico jardim e uma casa totalmente inconvencional, para dizer o mínimo.
A sensação que tive foi a mesma despertada em mim em Roma, anos atrás. Na capital italiana, ruelas e vielas minúsculas muitas vezes se descortinavam para revelar amplas praças públicas e esculturas monumentais. Na casa de Marcelo, logo após vencer o estreito trecho da garagem, nos deparamos com um lindo jardim, perfeito em composição e volumes. No meio desta obra prima viva, chama a minha atenção um painel de 2,5m, esculpido em Pedra Celular para ser o coração do jardim.
Já teria sido uma jornada recompensadora ter conhecido os dons de paisagista e de escultor de Marcelo Di Bendetto, se a visita tivesse terminado ali mesmo, no jardim. Mas é entrando na intimidade de seu lar que percebo que seus dons com as mãos e sua estética visual têm um espectro muito maior do que qualquer coisa que eu já havia testemunhado. Traduzindo em palavras vazias: foi ele mesmo quem fez a bancada da pia da cozinha em granilite (estou dizendo que ele fez o molde para a base de cimento, agregou as pedras e fez todos os polimentos até chegar na superfície plana e perfeita) e pôs a mão na massa – literalmente – para dar vida à galeria de arte que, junto da cozinha, ocupa todo o espaço térreo de seus aposentos.
Nesta galeria encontramos pinturas em tela, em papel e porcelanas, gravuras, serigrafias, estêncil, design de móveis e também uma técnica totalmente original de transmutar fotografias em quadros de concreto. Até mesmo as molduras em madeira, delicadas e lineares, foram feitas por ele mesmo. Quando busco entender a motivação para todas as suas criações, Marcelo é simples na resposta: “se eu não criar, eu fico louco”.
Depois de contemplar todas essas artes, sentado em uma chaise assinada por Mies van der Rohe – que está ao lado de uma poltrona em farrapos de Jorge Zalszupin e de bancos feitos com barras de vergalhão, assinados pela arquiteta Fernanda Di Benedetto, irmã de Marcelo –, subimos para o quarto do artista, que ocupa todo o pavimento superior. À primeira vista, me senti em outra galeria, já que o cartão de visita é uma parede verde, com 6 metros de pé direito, recheada de telas, gravuras, tapeçarias e até azulejos, não de autoria dele, mas de anos de garimpo. Faz parte do seu acervo diversas obras de diversos artistas do movimento modernista brasileiro, tais como Djanira da Motta e Silva, Alfredo Volpi, Manezinho Araújo, Dirce Pires e Artur Slama.
Toda a brasilidade e colorido destes grandes nomes da arte moderna ecoam pelo quarto fazendo um mimetismo perfeito com a profusão de cores presente nas peredes, nos móveis antigos cheios de intervenções artísticas, no mix de tapetes persa com tapetes de sisal, nos tecidos, nas penas indígenas... toda essa brasilidade se funde com artigos importados, e igualmente coloridos, como as Carrancas Barong, da indonésia, e as imagens de budas asiáticos.
Ainda inebriado pelo cenário, me sentei em um móvel do século XVIII chamado Catra, que mais parece um estreito banco de couro, cujo uso original era cama de viajantes. Ali iniciamos a entrevista, com Marcelo esparramado em um sofá de madeira construído por ele, pintado com uma harmônica paleta de tons pastéis e “sombreado” por uma esteira de palha de seda produzida n’O Casulo Feliz.
Marcelo tem 34 anos, é formado em arquitetura pelo Unicesumar, Maringá, e em artes plásticas pela FAAP, São Paulo. Ainda na primária, sua professora percebeu que Marcelo era uma criança cinestésica que, traduzindo em miúdos, são os indivíduos que precisam colocar a mão na massa para aprender. Desde essa época ele já se considerava um artista, encontrando na pintura e nos trabalhos em madeira suas primeiras manifestações artísticas. “Tudo começou pelo desenho, quando fui entendendo noções de proporção e composição, depois vieram os trabalhos em madeira, cortando, recortando, fazendo... O mais incrível é que eu conseguia vender! Tenho impressão de que eu ganhava mais dinheiro quando era criança, do que agora [risos]”.
Essa necessidade tão latente de criar, levou Marcelo a desenvolver diversas linhas de pesquisa ao longo dos anos, mas nada muito linear, uma vez que permeia diversas mídias, como entalhe, cerâmica e serigrafia, dando origem a diversas séries que quem bate o olho sabe que é de autoria dele.
Minha série preferida é também uma de suas mais populares. São figuras humanas de traços simples, representadas na maioria das vezes com cores primárias e movimentos lúdicos. “Criei essa série quando estava cursando arquitetura. Nesse curso usamos o conceito de escala humana como partido para definir algumas dimensões, disso veio meu desenho de criar personagens que remetem a uma memória coletiva do que é lúdico e a brincadeiras de criança com um apelo bem popular”.
É neste ponto que tento entender de onde deriva o uso das cores, presente na maioria dos seus trabalhos e em cada detalhe do mundo que ele criou para si. “É muito fácil fazer coisas bonitas usando preto e cinza, combinar cores exige muito mais. As cores despertam vivacidade e alegria, acho que isso diz muito sobre quem eu sou”.
Em sua passagem por São Paulo, onde morou durante 6 anos, uma de suas primeiras experiências profissionais foi trabalhar como assistente do príncipe Giulio Durini di Monza. Isso mesmo, herdeiro de uma das famílias mais antigas da Lombardia, este membro da realeza italiana escolheu o Brasil como sua segunda residência, conservando um apartamento luxuoso Avenida Paulista, onde fica também o seu atelier de pintura. “Eu fui indicado pela FAAP quando o príncipe estava procurando um ajudante. O teste foi concluir uma de suas pinturas, e ele gostou muito”. O príncipe Giulio é conhecido por pintar, com impressionante realismo, homens nus, a maioria por encomenda.
Essa experiência mostra que, para Marcelo, estar na FAAP foi não apenas um campo de oportunidades, mas sobretudo de contato com pessoas que, tal como ele, vivem integralmente do fazer artístico. Dentre seus trabalhos mais promissores derivados desta época destacamos os móveis feitos em cocriação com Fernanda Barreto, à época estudante de design, que foram expostos na DW! – Semana de Design de São Paulo e se tornaram chamada de todas as campanhas do evento naquele ano. Juntos, eles transformaram móveis antigos usando concreto, dando origem à série Desdobramentos. Com essa mesma designer ele fundou em São Paulo a Oficina Uma Uma, que existe até hoje.
Foi também em São Paulo que ele foi descoberto pelo curador Giovanni Pirelli, que se interessou por suas “fotografias em concreto” e organizou a primeira individual de Marcelo Di Benedetto, na Galeria Nicoli. No impressionante texto curatorial da exposição intitulada [re]forma, Eder Chiodetto explica que, nessa série, Marcelo questiona noção de perenidade que a fotografia nos dá, sendo ela mais uma ilusão do eterno: “Marcelo busca de alguma forma ludibriar, poeticamente, o fluxo inexorável do tempo. A partir de fotografias de família, várias delas de sua infância, o artista cria um sistema que, por meio da transmutação da matéria, visa perpetuar suas memórias afetivas. Porém, ao agenciar entre a fotografia e o cimento possibilidades poéticas que vislumbrem o eterno – mesmo sabendo-o impossível – Marcelo não se limita a fazê-lo com o intuito de preservar apenas as suas próprias lembranças”.
O próprio uso do cimento como matéria-prima de suas criações tem significados implícitos que venho entender ao descobrir que seu pai, Fernando Augusto Vieira, era Engenheiro Civil Calculista na pioneira Maringá, tendo trabalho durante muitos anos para o famoso arquiteto Edgar Werner Osterroht, um alemão que trabalhou como urbanista e topógrafo na Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná (CMNP), por meio da qual planejou de mais de 15 cidades. “O concreto é um material que me faz pensar na passagem da infância para a vida adulta. Somos maleáveis quando crianças e enrijecemos, petrificamos ao longo da vida”, diz Marcelo.
É a vida que nos enrijece ou enrijecemos com a vida? Foi a pergunta que me levou para casa, após esse mergulho profundo no universo cultural criado por Marcelo Di Benedetto, e depois de comer uma deliciosa torta de tâmaras oferecida por sua mãe, dona Maura Di Benedetto. Parece que mesmo para um artista, que vive apenas de materializar em planos físicos as aspirações mais elevadas de sua mente, o sistema e o meio são determinantes e presentes. Marcelo orgulha-se de viver de suas criações, mas confessa que a época áurea já passou faz um tempo. “Em tempos de crise, quando as pessoas são obrigadas a rever prioridades, a arte parece ser a primeira a ser delegada como segundo plano”, conclui Marcelo.
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