TEXTO VINÍCIUS LIMA FOTOS RAFAEL SILVA
Jayme Bernardo nasceu em São Paulo e ainda menino se mudou para o interior do Paraná, Loanda, uma cidade a 180 km de Maringá fundada por seu tio. Ali o pequeno Jayme foi alfabetizado na redação do jornal local, montado por seu próprio pai, onde desenvolveu seu gosto refinado pelo design e pela cultura, até decidir transgredir a tradição familiar de formar médicos para estudar arquitetura e engenharia civil, ambos na capital do Estado, na Federal do Paraná.
Mais de 40 anos depois, Jayme é tido hoje como o arquiteto mais respeitado do cone sul, e um dos principais do país. A multiplicidade de suas criações está presente não só nos traços arquitetônicos como também no design de mobiliário da Dieedro, marca que fundou em 2011 após pavimentar, 20 anos antes, a estrada do desenho autoral ao fundar a Bernardo & Bruni, a mais ousada loja de mobiliário de Curitiba, chancelada por Adriana Adams, a mulher que revelou os irmãos Campana.
Uma história como essa merecia, sim, ser eternizada em um livro que em 340 páginas resume a trajetória de 37 anos deste arquiteto que, não por acaso, escolheu Maringá como uma das cidades que recebeu o lançamento do livro em clima de festa e autógrafos. A WIT esteve lá e entrevistou ele de forma exclusiva.
[WIT] Seu livro reúne 19 projetos que resumem os últimos 37 anos de sua carreira em termos visuais e estéticos. Ao fazer esse apanhado, com a curadoria de Consuelo Cornelsen, o que você notou que mudou em seu traço ao longo dos anos?
[JB] É uma evolução muito grande! O arquiteto tem que estar antenado a tudo, inclusive à moda. E hoje tudo acontece tão rápido que se você não ficar nas redes se atualizando você acaba sendo engolido. Por outro lado essa globalização nos ajuda a ter uma relação mais nivelada com quem contrata o serviço do arquiteto, porque com o advento da internet qualquer um tem acesso a tudo o que acontece em Xangai, Dubai, Nova York... e porque não aplicar aqui as técnicas construtivas de lá? Já se tem muitos edifícios com estruturas metálicas e até madeira, coisa que antes nunca ninguém chegaria perto... A última década me transformou muito e o próprio livro me fez repensar e mudar muitas coisas. Colocar no papel o resultado final de tantos esforços coletivos me fez perceber que na vida tudo realmente passa, e passa rápido. Hoje o fake está muito próximo das pessoas. Uma pessoa pode dizer o que ela quiser em uma rede e ela terá seguidores. Se você não tiver controle e discernimento, coisas irreais podem acabar virando valores. Eu sou um profissional feito de valores que ainda acredito serem corretos.
[WIT] Partindo dessa premissa, quais devem ser os valores do profissional arquiteto?
[JB] O arquiteto tem uma obrigação muito grande com a população e com a humanidade. Além da prerrogativa técnica e prática da profissão (desenhar e construir), o arquiteto influencia tendências, gostos e movimentos. Ele que tem que se preocupar, por exemplo, em promover a sustentabilidade e apresentar caminhos alternativos ao seu cliente. O arquiteto é, já nas cadeiras da faculdade, um urbanista. É uma palavra em desuso no Brasil, mas é uma área de estudo muito importante, porque as cidades e o país precisam ser planejados e repensados. Antigamente se valorizava mais a bagagem do urbanista, e eu não sei até que ponto isso é valorizado hoje. Dentre os mestres que tive nessa disciplina estava Jaime Lerner, com quem tive 2 anos de aula na UFPR.
[WIT] Já que estamos falando de evolução e tendência, como você aponta as formas de morar das próximas décadas?
[JB] É bacana essa pergunta porque de um lado a tendência é diminuir muito mais a área. O metro quadrado está caro e os grandes projetos estão ficando cada vez menores. Até mesmo um hotel com quarto de 9 metros quadrados, coisa que jamais se faria no passado. Foi feita uma grande pesquisa que aponta que esse é o caminho. Por outro lado a palavra de ordem para o futuro é integrar e interagir. Muitos negócios e interações humanas serão pautadas pelo interesse mútuo de se aproximar, o que eu faço te interessa e o que você faz me interessa, é como acontece nos coworkings. Outras bases para trocas de experiências vão surgir e com certeza haverá um esforço consciente para reaproximar o humano e paralelamente a isso vem o fake, até mesmo em alguns tipos de relacionamentos.
[WIT] A Dieedro, sua linha de design autoral, pode ser encontrada em Maringá na Agave Casa. Como e por que você se enveredou pelo design?
[JB] Eu sempre gostei do design. Sempre desenhei movelarias especiais para o meu cliente, como mesas, aparadores... Visitando Milão todos os anos percebi que havia uma carência no mercado local de design autoral, por isso decidi abrir esse departamento inicialmente dentro do escritório de arquitetura, ao contratar um designer de produto. A Dieedro veio como uma consequência natural, uma marca que tem o olhar de arquiteto na forma, nos materiais e nas proporções. Um designer pode fazer uma peça para ser contemplativa, as minhas têm outra pegada, mesmo com um crivo estético elas têm muita função.
[WIT] Esse caminho, do design autoral, é natural para um arquiteto?
[JB] Eu particularmente acho que tem que ter o dom. Como eu disse, minha obra traz muito do lúdico, das cores primárias e até brincadeiras que resolveram sair da prancheta para virar coisa séria, mas minha obra ainda está condicionada à função, porque isso é do arquiteto. Eu tenho uma relação muito próxima com os irmãos Campana, a criação deles é outra pegada. O designer é mais livre porque ele não cria para ninguém, é para si mesmo, já o arquiteto faz para um cliente corporativo ou residencial. O designer consegue sair fora do quadrado, o que eu faço é mais pé no chão [risos].
[WIT] Sua história em Maringá passa por onde?
[JB] Eu nasci em São Paulo e vim muito pequeno para o interior do Paraná, em Loanda. Maringá sempre foi a cidade referência para a gente. Dom Jaime era amigo de infância do meu pai e foi meu padrinho. Depois eu fui para Curitiba, onde estou até hoje, mas muitos de meus parentes permanecem em Loanda. Então Maringá é uma questão de raízes, fiz muitos projetos aqui ao longo dos anos, desde apartamentos no Royal Garden até uma boate dos mesmos proprietários da antiga Kalahari. Meu trabalho mais recente na cidade é um prédio que será lançado pela Construtora JUST.
[WIT] O que há de melhor em Maringá?
[JB] As festas! As pessoas de Maringá são extremamente acolhedoras e festivas, as festas aqui são animadas e isso eu não vejo em Curitiba. A característica arborizada da cidade também é encantadora. Maringá soa para mim como estar entre amigos, passeio com o cachorro, comer em bons restaurantes, e comprar em boas lojas. Tudo dentro de um circuito com 25 minutos de distância. Eu sempre digo que meu sonho de aposentado é morar em Maringá.
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